Assis, 14 de setembro de 2024
Irene,
Eu não sei o porquê, mas sempre que paro pra pensar nos desastres do meu tempo, tenho vontade de te escrever. Acho que o que mais me intriga é que fico tentando imaginar o que você acharia de tudo isso.
Na última carta, te contei que a temperatura do mundo vinha aumentando, né? Pois é, e não só isso. Nesse ano, especialmente nesses últimos dias, como se não bastasse uma onda de calor que vem fazendo com que a temperatura alcance os quarenta graus, a qualidade do ar está entre as piores do mundo.
Como a primavera ainda não chegou, o ar está naturalmente com a umidade baixa. Só que o maior problema é que estão acontecendo muitas queimadas, e o céu de quase todo o Brasil tem ficado todo cheio de fumaça, dia após dia. Ao olhar para o sol, dá pra perceber que ele está coberto, embaçado. Em certo horário do dia, ele se torna um grande círculo vermelho. Parece um cenário apocalíptico – talvez porque seja um.
Por conta disso, está sendo difícil viver. Um mero ventilador não dá conta de afastar todo o calor que eu venho sentindo. Além disso, quando preciso sair de casa ou fazer algo que exija um esforço mínimo, sinto falta de ar e uma dor de cabeça que não vai embora. Me sinto fisicamente doente por causa desse clima, como se estivesse com febre. Não é bizarro?
Mas hoje o céu amanheceu um pouco mais azul. A previsão do tempo promete uma temperatura mais amena e uma umidade mais normalizada para os próximos dias. E eu acordei com vontade de te escrever, pensando no que você acharia disso.
Porque eu não faço a menor ideia. Eu não sei quais eram suas opiniões políticas – se é que elas existiam. Não sei o que pensava sobre o aquecimento global ou o El Niño ou o índice de qualidade do ar ou o capitalismo. Não faço ideia de qual era sua opinião sobre o desmatamento, a poluição e a falta de responsabilidade ecológica.
Será que você pensava em como seria o futuro e nas consequências do que o ser humano vinha fazendo com o mundo? Será que você também se revoltaria? Será que você também morreria de dó pensando nos animais e na natureza que seriam afetados? Será que você também estaria se sentindo culpada, impotente e desesperançosa?
Ontem fui ao mercado e, por acaso, encontrei esse buquê de flores. Olhei pra ele e pensei que, mesmo que eu esteja vivendo num mundo quebrado, ainda pode existir um pouco de beleza nele. Foi necessária muita coragem para que eu pudesse enxergar algo de bom no meio disso tudo.
Ainda conseguimos cultivar flores. Que bom.
Então é isso, Irene... por um lado, não gosto de pensar no fato de que não te conheci o suficiente e não faço ideia do que você acharia de tudo isso. Mas, por outro lado, me sinto aliviada. Que bom que você já não está mais aqui, presenciando todo o horror.
Com amor,
M.
Confesso que não tenho esperança alguma nos humanos e nem sei o que será das próximas gerações. Nossa, isso soou negativo mesmo😅. Mas, enfim, penso que cada pessoa, em cada época, compartilha preocupações semelhantes. Minha mãe sempre fala que era a mesma coisa no tempo dela e da avó. Porém, creio que a agora a intensidade está tenebrosa😩 encontrar beleza e paz no meio de tudo isso é algo maravilhoso!
Esse final. 🫤♥️
Quando, em vez de sentir falta, encontramos consolo na ausência, sabemos que algo não vai bem! tenho certeza de que a dona Irene está bem — onde quer que esteja — e que sua carta chegará com carinho.
Espero que, no futuro, meus netos (e os seus) tenham a oportunidade de escrever para nós assim como você escreve para sua avó.
Espero que tenhamos tempo e condições para isso!