Obscenidade e lucidez em Hilda Hilst
O dia em que falei sobre "A Obscena Senhora D" no clube Leitura Mista Feminina
Há alguns dias, recebi um convite especial da Bia Assad, que faz um trabalho super legal com o Leitura Mista, lá no Instagram. Ela me chamou para colaborar em um encontro do clube de leitura dela, o Leitura Mista Feminina!
Fiquei muito honrada e empolgada, especialmente porque o tema da vez era ninguém menos que Hilda Hilst — mais conhecida como minha autora favorita. Além disso, a obra escolhida para o debate foi A Obscena Senhora D, um dos seus livros mais desafiadores, mas, ao mesmo tempo, uma obra fascinante.
Ter sido chamada para falar sobre a Hilda, sendo alguém que estuda e é obcecada por ela e sua obra, foi incrível para mim. Tivemos uma troca muito bonita, e senti que minhas palavras não só estavam sendo ouvidas, mas também ressoavam nos outros leitores. Eis o poder do diálogo!
Ali, percebi que, ao estudar a obra de Hilda e apresentá-la para as pessoas, eu estava fazendo o trabalho de manter sua literatura viva. E acho que ela gostaria bastante disso, pois acima de tudo desejava ser lida.
Para quem não conhece, A Obscena Senhora D (1982) é um livro curto, mas de uma narrativa densa. As páginas são poucas, mas nelas cabe um mundo, um universo inteiro. Por esse motivo, é um livro que só tem a ganhar com releituras.
Na obra, Hillé, a protagonista, é uma mulher que, após a morte do marido, Ehud, se isola em um vão de escada. Nesse espaço, ela revisita suas memórias, obsessões e faz reflexões profundas sobre a vida e a morte.
Assim como outros escritos da Hilda, essa narrativa é um desafio: fragmentada, pulsante, marcada por um fluxo de consciência que nos faz questionar nossa sanidade mental junto com a de Hillé. É uma experiência perturbadora, intensa, que exige entrega e vulnerabilidade por parte do leitor.
Para encarar a Senhora D, é importante ter em mente que, talvez, nem tudo se entenda em um primeiro encontro. No começo, a escrita pode soar difícil e enigmática. Mas é importante lembrar que a prosa de Hilda é super poética — afinal, ela é, acima de tudo, uma poeta. O segredo é se jogar de cabeça e realmente mergulhar na narrativa, sentir e vivenciar junto com Hillé.
Das temáticas presentes na obra, destacam-se o luto, a morte, a exploração do corpo, a transcendência e a busca por significado. Mas a questão que mais se destacou, para mim, foi a relação entre a obscenidade e a lucidez.
"e o que foi a vida? uma aventura obscena, de tão lúcida."
— Hilda Hilst em A Obscena Senhora D (1982)
Hillé é retratada como uma mulher obscena, não somente no sentido sexual da palavra, mas também pela forma como suas ações e falas rompem com as normas sociais. Dominada pelo sentimento complexo que é o luto, ela grita, xinga os vizinhos que a julgam e intimidam, faz caretas grotescas e fala sozinha, atitudes que a fazem ser vista como “louca”, “suja”, “imoral”.
No entanto, toda essa obscenidade acontece justamente porque ela está em busca da lucidez. É no obsceno que a personagem encontra uma forma de encarar sua dor de forma nua e crua, autêntica. No obsceno, ela busca sua maior verdade — a vida, o corpo, o desejo, o tempo e, principalmente, a morte. É a forma como ela tenta sobreviver quando tudo ao seu redor desmoronou.
Essa busca por respostas, no entanto, não traz alívio. Hillé questiona sua própria existência e a validade de tudo que viveu, como nesse trecho em que ela se pergunta sobre a essência de ser e deixar de ser.
Se Ehud Foi algum dia, continua sendo, se não Foi, NUNCA SERIA, mas antes de ser Ehud não era, e então depois Foi não sendo?
(…)
e tendo visto, tendo sido quem fui, sou esta agora? Como foi possível ter sido Hillé, vasta, afundando os dedos na matéria do mundo, e tendo sido, perder essa que era, e ser hoje quem é?
Quem a mim me nomeia no mundo?
— Hilda Hilst em A Obscena Senhora D (1982)
No entanto, assim como Hillé, talvez o nosso maior desafio enquanto seres humanos seja aceitar que, muitas vezes, as respostas não vêm. Mas é na busca por elas que encontramos nossa própria voz. Hillé (ou Hilda) encontrou a dela no mais lúcido obsceno.
Assim, a literatura de Hilda Hilst nos oferece um espaço, simultaneamente bonito e desafiador, para explorar essas questões tão humanas. Se você ainda não leu algo da autora, recomendo. Mas sou suspeita pra falar.
Também vale a pena ouvir a própria autora falando sobre o assunto. Apesar de a entrevista ter girado em torno do livro O Caderno Rosa de Lori Lamby (1990), acredito que as questões sobre o obsceno se encontram muito com as que estão presentes em Senhora D!
Para quem ainda não conhece a obra dela, qual livro você recomenda como primeira leitura?
aaaa eu amo demais a hilda, mesmo só tendo lido a obscena senhora D, me marcou demais e penso até hoje. ano passado, quando eu estava no último ano do ensino médio, tive a oportunidade de apresentar um seminário sobre ela, e acho que foi o melhor que já apresentei na vida 🥹🥹 agora quero me aprofundar na sua poesia, estou bem ansiosa 🤌🏼 amei a news de hoje, amiga! você brilhou demais e é muito bom estudar e depois falar sobre o que gostamos tanto ❤️🩹❤️🩹